A "ARTE" DE ESTOCAR Sendo contra as touradas importa-me e muito que se pique os touros "bem" ou "mal" , e que de uma forma ou outra os animais sofram acima do imaginável ( se bem que a ter que escolher , prefiro que os piquem mal: qualquer "enxovalhamento" da "festa" será sempre bem vindo). Além disso, sendo anti touradas, também me interessa o que se passa com a chamada "sorte de varas", eufemismo empregado para os toureiros denominarem a tortura que se aplica ao touro com uma vara de picar.
O QUE SE SUPÕE QUE SE CONSEGUE PICANDO O TOURO Picar o touro tem em princípio dois objectivos: debilitá-lo e obrigá-lo a baixar a cabeça. O debilitamento consegue-se provocando-lhe uma enorme hemorragia, a qul é possível graças ao cordel que cobre a parte traseira da vara (corda enrolada e colada). Assim, esta além de cortar os músculos, dilacera-os, e a ferida que resulta sangra muito mais que aquela feita com um só golpe. Um touro pode perder nesta operação de picar dois e mais litros de sangue, o que significa aproximadamente 10% do total dos que tem (uns 19 litros). Se uma pessoa perder uma quantidade equivalente à referida fica inanimada. A humilhação (usam o eufemismo "vexar o touro") consegue-se lesionando os músculos e ligamentos que sustentam a cabeça. Com este músculos ditos papa, não é que o animal se humilhe, o problema é que não consegue levantar a cabeça, facilitando assim o trabalho do matador e sobretudo reduz o risco de ser colhido tanto durante o toureio de muleta como no momento de entar a matar . Também perde força e sente dor quando tenta cornear de baixo para cima. Os melhores efeitos para alcançar estes ojectivos, e isto tem sido estudado, obtêm-se picando o touro na zona superior do trapézio cervical, aproximadamente sobre a quinta vértebra , que é o sítio mais apropriado para lesionar os músculos extensores e ligamentos de sustentação da cabeça, e basta uma profundidade de uns 9 cm para não danificar veias demasiado profundas ( por isso a vara de picar tem uma cruzeta a 8,75 cm da sua ponta ) . Nesta zona é difícil danificar a funcionalidade do animal, com excepção das lesões propositadas. Esta "sorte", assim realizada e com proibição expressa feita pela Regulamento de Toureio de não furar torcendo ( girar a vara como se fosse um saca-rolhas), não barrar a fuga (deixar que o touro retroceda quando não pode suportar a dor) e não insistir ( ou seja meter e tirar a vara) é a forma correcta de "aplicar o castigo". Porém esta forma "correcta" de picar o touro, apesar dos danos que provoca e que já foram assinalados, não são suficientes para que os "valentes" matadores toureiem a seu gosto , e segundo um estudo realizado entre 25 de Maio e 8 de Julho de 1998 por uma equipa de veterinários especialistas (!!!!) no assunto e que abarcaram 83 touros lidados, 95,3% das estocadas realizaram-se fora da zona indicada; em 54% dos casos provocou uma hemorragia mais abundante que o desejável; em 100% dos casos alcançou uma profundidade superior à longitude da vara ( com uma média de 21,6 cm e algumas com mais de 30 cm) e em 62% foi feita com o mete e tira ( com uma média de 7,4 mete e tira por vara). Feitas as contas nem uma só vez se fez a "sorte" segundo os cânones do toureio.
O QUE NA REALIDADE SE CONSEGUE PICANDO O TOURO De acordo com o estudo referido, a maior parte das varas (mais de 42%) são espetadas bastante mais atrás da zona considerada correcta. Neste local as veias são maiores e as hemorragias causadas são pois mais abundantes. Também é uma zona mais rica em terminações nervosas (o que provoca uma dor maior) e perto das primeiras vértebras dorsais e da apófise, que desde que danificadas , provocam a claudicação. 35% das varas são espetadas numa zona muito mais profunda que a assinalada no regulamento. Também se lesiona a escápula ( que tem uma função muito parecida com a da clavícula humana) afectando as mãos ( patas frouxas), e os músculos do tórax, diminuindo a capacidade respiratória do touro (cansa-se mais depressa). Além disso 9% das varas são espetadas numa zona não só mais profunda como também mais traseira. Estas varas conseguem partir as costelas e perfurar a pleura e os pulmões. Os resultados são óbvios: o animal vai-se afogando lentamente com os pulmões encharcados no seu próprio sangue. 6% das varas são espetadas sobre as vértebras dorsais centrais. A medula espinal fica tão próxima que facilmente fica danificada, produzindo paralisias traseiras mais ou menos graves. As restantes 4% das varas repartem-se pelas omoplatas, na união do pescoço e do tronco (limitando os movimentos laterais da cabeça) , e noutras zonas mais ou menos próximas (provocando lesões diversas). Independentemente das lesões que provocam no animal, é também "curioso" assinalar a profundidade das feridas que se consegue fazer com a vara ( cuja longitude até à cruzeta repetimos, é "só" de 8,75 cm). A informação indica uma média de 21,6 cm , se bem que se comenta que algumas chegarão aos 30 cm (e temos informações que certificam profundidades de 42 cm !). Pergunta-se como se consegue atingir tais profundidades ? : utilizando a cruzeta como um saca-rolhas, o que origina que muitas vezes a vara fica emaranhada na carne e não há como tirá-la. Desta forma a ferida não só é profunda como também larga. Pode imaginar-se um buraco aberto na carne do touro de 13 x 21 ? Outro elemento "curioso" é a compaixão que demonstram os senhores que redigiram o regulamento de toureio para com os touros mais jovens: os novilhos. Para evitar que sofram feridas tão consideráveis, tiveram o gesto de ordenar que as varas que se aplicam a estes animais tenham menos 3 mm de longitude (leram bem: 3 mm a menos). E não é menos curioso o facto do mete e tira que recebe o touro a cada estocada: uma média de 7,4. Isto quer dizer que um touro que recebe as duas estocadas mínimas, regulamentares, sofre na realidade uma média de 15 entradas e saídas da vara e de 3,57 trajectórias em cada estocada (quer dizer, por cada ferida visível na pele, 3,57 feridas internas não são visíveis). Por tudo isto não surpreende saber que 80% dos touros indultados morrem nos dias seguintes à lide pelas feridas recebidas. A realidade, surpreendente é que algum deles consiga sobreviver.
Autor: Luis Gilpérez Fraile (Vicepresidente de ASANDA,Sevilha),
Vogal da F.E.S.P.A.P. Transcrito da Revista S.O.S. Animais publicada por ANDA, inverno
1988 , pp. 34 - 35